Instabilidade de Microsatélites (MSI)

O termo instabilidade de microsatélites (do inglês microsatellites instability) ou simplesmente MSI, refere-se a um via oncogenética que pode ser pesquisada e caracterizada, sendo importante para o seguimento do paciente e sua família. Historicamente a pesquisa desta via tem maior caracterização para os casos de câncer colo-retal (CCR). Porém essa pesquisa também tem sido feita para outros tipos de tumores (como ovário e endométrio).  


Na verdade, a instabilidade de microsatélites é uma consequência de um desarranjo molecular em algumas enzimas reparadoras do DNA (missmatch repair - MMR). Para entendermos melhor essa via é necessário definirmos o que são os microsatélites.


MICROSATÉLITES

Microsatélites representam a repetição de 1 a 6 pares de base que não codificam protéina. Tomemos como exemplo a seguinte sequência hipotética de nuleotídeos:

CGTTCAATAAGCAAAAATCCATAGTTTTAGGAATGTGGGCTGCTTGGTGTGATGTAGAAGGCGCCAATGCATCTCGACGTATGCGTATACGGGTTACCCCCTTTGCAATCAGTGCACACACACACACACACACACACACACACACACACACACAGTGCCAAGCAAAAATAACGCCAAGCAGAACGAAGACGTTCTCGAGAACACCAGAAGTTCGTGCTGTCGGGGCATGCGGCGAGTAAAGGGGAT

Em vermelho vemos a repetição da dupla de nucleotídeos CA. Estes são os microsatélites.

Durante muito tempo, por não sabermos a real função destas sequências repetitivas, as considerávamos como "Junk DNA", ou seja DNA lixo. No entanto, novas evidências mostram que os microsatélites estão envolvidos na regulação da expressão gênica. Por serem herdadas, a pesquisa dessas repetições são utilizadas também nos testes de identificação humana e paterninade. 

Os microsatélites possuem a particularidade de serem predispostos a erros de replicação do DNA. Ou seja, quando existe algum defeito nessa fase da divisão celular, os microsatélites são uma das primeiras regiões do DNA a sofrem modificação, a se tornarem instáveis

INSTABILIDADE DE MICROSATÉLITES (MSI)

MSI representa pequenos aumentos ou diminuições no número dessas repetições de nucleotídeos e são decorrentes de defeitos no reparo do DNA. Quando identificamos que há MSI sabemos que os mecanismos de reparo do DNA estão defeituosos

Esses erros de reparação predispõem à carcinogênese e portanto, ao identificarmos a MSI podemos definir uma via oncogenética própria, que terá implicações como veremos a frente. 

BASE MOLECULAR PARA A MSI

Durante a replicação, o DNA está sujeito a defeitos pontuais, como troca de bases. Para tanto a natureza dispôs algumas enzimas que fazem o papel de varrer a fita replicada a procura desses defeitos. Entre várias que participam desse processo as que possuem maior importância clínica são: MLH1  MSH2  MSH6  PMS2. Essas enzimas não atuam de forma isolada, mas formando dímeros. 

MutSa: MSH2 + MSH6 (Deslisa pela fita de DNA. Quando encontra erro recruta o heterodímero MutLa). 
MutLa: MLH1 + PMS2 (Coordenação de outras proteínas que atuam na reparação do DNA). 

Resumindo até aqui.... a função inadequada das enzimas reparadoras de DNA acarreta em uma predisposição a erros na síntese desta molécula. A consequência disto é o aumento ou diminuição (na verdade, instabilidade) dos microsatélites além do acúmulo de predisposição a outros erros em genes que regulam o ciclo celular.



Para prosseguirmos no entendimento deste assunto, é necessário respondermos à seguinte pergunta: O que aconteceu para que essas enzimas MMR perdessem sua função?

A resposta tem duas explicações, ou o defeito nessas enzimas foi herdado ou foi adquirido.

HERDADO Nestes casos o paciente portador do tumor com MSI recebeu de um dos seus pais o alelo mutado. Quando o segundo alelo sofre uma alteração, o tecido afetado passa a não sintetizar mais essa enzima de MMR e o resultado disso já conhecemos. Essa é justamente a definição fisiopatológica da Síndrome de Lynch também conhecida como síndrome do câncer colo-retal hereditário não polipomatoso (HNPCC).

ADQUIRIDO Nesta forma também chamada de esporádica, não há nada de errado com o material genético herdado. O problema está na inativação da expressão dessas enzimas (dos dois alelos) por um processo epigenético de metilação. 

É interessante notar que as duas formas de MSI (esporádica e no contexto da síndrome de Lynch) possuem características clínicas e moleculares distintas. Vejamos o seguinte quadro e a conclusões abaixo:



1) Os pacientes com síndrome de Lynch tendem a ser mais jovens, sem predominância de gênero. Já na forma esporádica são pacientes mais velhos com clara predominância feminina. 
2) Quando observada a expressão por imunohistoquímica, na síndrome de Lynch pode acontecer todas as combinações biológicas das perdas das enzimas MMR. Já na forma esporádica só é vista a ausência de MLH1 e PMS2.
3) A mutação BRAF V600E está virtualmente ausente na síndrome de Lynch. Ao contrário, na forma esporádica vemos essa mutação em até metade dos casos.




Terminamos por aqui essa etapa de explicações sobre a MSI. Esse fenômeno está mais bem caracterizado para os casos de CCR. Em torno de 15% destes apresentarão MSI, sendo 13% esporádicos (relacionados a metilação do MLH1) e 2% pertencentes à síndrome de Lynch.


COMO PESQUISAR MSI

Pudemos ver que esse é um assunto complexo, mas muito interessante. Para podermos aplicar esses conhecimentos na prática clínica é necessário uma abordagem escalonada em níveis de complexidade (e custos!) para garantirmos a melhor razão custo/benefício para o paciente.

Podemos abordar essa pesquisa em 3 formas:


Resumidamente temos que: 

IHQ Identifica a expressão ou ausência de expressão no tecido tumoral de uma das 4 enzimas MMR.

PCR Faz a pesquisa propriamente dita dos microsatélites no DNA do tumor.

PESQUISA DE MUTAÇÃO É feito no sangue periférico (para os genes das enzimas MMR) a fim de determinar se o defeito foi herdado. No caso do BRAF a pesquisa é feita no tecido tumoral.

Vamos explorar cada uma destas técnicas.

IHQ

Usa da reação antígeno-anticorpo para revelar se determinado tecido expressa ou não uma das enzimas de MMR. Cada uma delas é pesquisada em separado. Segue um exemplo:


Vemos que este tumor não expressou MLH1 nem PMS2 (note núcleos azuis/negativos com controle interno positivo), sendo mantidas as demais enzimas.
Tendo em mãos o resultado para cada enzima, é possível sabermos qual gene está defeituoso e se o contexto da alteração é de síndrome de Lynch ou esporádico.


Quando interpretamos a IHQ, é necessário certificarmos se há controle interno positivo na amostra (linfócitos, células epiteliais não neoplásicas). Só devemos considerar a não expressão de uma das enzimas caso no mesmo corte haja controle positivo, certificando a reação.
A IHQ é o menos complexo dos métodos e portanto escolhido para se fazer a triagem dos casos. Hoje já se recomenda que todos os CCR sejam testados para as enzimas.

PCR
Compara os microsatélites do tumor com os do tecido não tumoral do mesmo paciente. O resultado fica assim:


Neste exemplo têm-se que no tecido tumoral há um padrão anormal de distribuição e tamanho de microsatélites.
Para garantir melhor precisão, este teste é feito em 5 loci padronizados, o chamado Painel Bethesda e incluem BAT25, BAT26, D5S346, D2S123 e D13S250. Depois de testados nestes 5 loci, o tumor poderá ser classificado como MSI-H (high), MSI-L (low) ou MSS (stable)

MSI-H Instabilidade em 2 ou + dos loci pesquisados
MSI-L Instabilidade em 1 dos loci pesquisados
MSS Ausência de instabilidade 




PESQUISA DE MUTAÇÃO

em construção...


Dr. Marcos Segura
Médico Patologista e Citopatologista com título  de especialista nestas duas áreas. Possui mestrado  em ciências médicas pela Faculdade de Medicina da UnB











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